02 de dezembro de 2019

Liberdade como pena

Liberdade como pena

A liberdade, seu sentido e alcance, sempre figurou como uma das grandes preocupações da humanidade.

Teóricos e idealistas debruçaram-se sobre o tema, avançando-o para vários campos do conhecimento humano, podendo citar a psiquiatria, psicologia, filosofia, direito, teologia etc.

Quer seja no direito de opinião e sua expressividade, na natureza humana ou mesmo na condição de não ser prisioneiro ou escravo, a liberdade seduz. ‘Introjetar’ parece ser a especialidade dessa grave questão existencial.

Buscar independência e autonomia no universo da alteridade moderna, com sua interconectividade, parece ter significado maior que simplesmente ter livre arbítrio.

“E se houvesse uma máquina, não só para detectar mentiras, mas, igualmente, para decifrar consciências? Trazer a lume tudo aquilo que a consciência projetar?”

Nas perguntas da jornalista Carolina Cunha (Novelo Comunicação), a dimensão temática: A liberdade seria uma experiência da condição humana? Um valor que nos define ou um valor da nossa ação? Somos livres de verdade? Temos limites e o outro tem limites? Será que temos liberdade sobre o nosso próprio corpo, nossos pensamentos e nossas ações na sociedade? 

Considerando que para Aristóteles é livre e voluntária a ação que não sofre coações, e, para Sócrates, é livre aquele que consegue dominar seus sentimentos, pensamentos e a si próprio, Kant designa a liberdade como autonomia.

Mais pragmaticamente, sabemos que a liberdade, pura e genuína, é impossível, pois, sofre limitações por parte do Estado, dos indivíduos, do Direito, da ética, da cultura etc.

A liberdade em Santo Agostinho é mais realista, visto entendê-la como fruto de uma escolha. Assim, o homem é livre porque pode escolher entre o bem e o mal, o que, ressalvada as devidas proporções, aproxima da sentença existencialista de Sartre: ‘estamos condenados a ser livres’.

Mas, no mundo contemporâneo, quem ousa dizer ‘sou livre’?

Nem Lutero nos permitiu a liberdade plena ao afirmar que Deus controla a tudo e a todos. Sim, o Criador!!!

Em nosso tempo, surgiu um controlador maior e mais impiedoso: o politicamente correto. Ele nos faz grandes favores, sem dúvida, dentre os quais - calar a ignorância e idiotice de muitos, que a internet deu voz (Umberto Eco) -. Mas também tem um viés significativo de imposição de limites à liberdade.

Mas há liberdade quando a consciência desdenha de sua presa?  A verdadeira liberdade pode estar com Dostoievski. A liberdade, segundo o genial romancista russo, tem como único caminho o sofrimento e o flagelo interior, o próprio juízo moral da pessoa em sofrido e sério processo de reflexão.

Livres o são aqueles inculpados de consciência.

E se houvesse uma máquina, não só para detectar mentiras, mas, igualmente, para decifrar consciências? Trazer a lume tudo aquilo que a consciência projetar? Não seria fantástico viver num mundo em que as consciências são conhecidas por todos? A pena seria privilégio daquele que, sob jugo moral intenso, vivesse seus diários flagelos.

É por aí...

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO 

é juiz em Cuiabá